segunda-feira, 21 de novembro de 2011

"Não tenho necessidade de fazer frases. Escrevo para aclarar certas circunstâncias. Desconfiar da literatura! É preciso escrever ao correr da pena, sem procurar as palavras". in Náusea, de Sartre

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

...

O romance. Lembras-te de ter falado do tal romance? Em que uma mulher me penetrou veemente? Que a abandonaram ao vento? E que do amor se eternizou? Hoje via a pedir dinheiro nos Restauradores.

Parei

Gritei-lhe

Mas não me ouviu. 

La Nausée

Cito "...Os objectos não deviam impressionar-nos o tacto, visto que não vivem. Servimo-nos deles, pomo-los no seu lugar, vivemos no meio deles: são úteis nada mais. E, a mim, os objectos tocam-me; é insopurtável..."

" ...E a sensação vinha da pedra, tenho a certeza, passava da pedra para as minhas mãos. Sim, é isso, é exactamente isso: uma espécie de náusea nas mãos..." 
Jean Paul Sartre in " La Nausée"

Alguns objectos são criados para suprir determinadas necessidades, outros servem para adornar a vida. Podem até ser imortais. Sempre pensei nos objectos como a procura de algo, talvez a procura de uma vida, uma realidade que precede outra realidade, como se de facto fosse possível "petrificar" a nossa própria existência, entretanto vivida. O receio de perder o rumo. Os objectos transmitem segurança, por outro lado reprimem e sufocam o meu quotidiano. 

O verdadeiro escritor vê, observa, sente e faz-nos sentir também.

Estou a gostar muito do livro!!!

"Boas leituras"

A FUNÇÃO DO ESCRITOR

O escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.

Jean-Paul Sartre, in 'Situações II'

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Evangelho Segundo Jesus Cristo


O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) é um romance de José Saramago que conta a história da vida de Jesus de uma maneira moderna e crítica da religião

A história inicia-se com a crucificação de Cristo, ou melhor, da interpretação do autor da imagem da crucificação. José Saramago começa a narrar a vida de Cristo com a morte, o sofrimento, que precede e sucede a narrativa em torno de Deus, do diabo e de Cristo.

O ponto mais relevante e polémico da história é ver Maria e José resumidos a personagens literárias comuns. Cristo ter sido semeado do acto carnal, fruto do desejo de José e do dever da sua esposa Maria, ainda que não menos agradada com a consumação.

Polémicas à parte este livro demonstra o incrível talento de José Saramago a contar histórias que torna o livro consistente e cada vez mais aliciante ao longo da narrativa.

De todos os momentos desta narração, o encontro num barco entre Deus, Cristo e Diabo, todos eles figuras humanizadas, é o que merece mais destaque e o que mais desassossega os leitores. Quando Jesus olha e sentado na popa do seu barco está Deus. Não como da primeira vez que o vira, uma nuvem, uma coluna de fumo, este era agora um homem grande e velho que lhe vinha pedir que cumprisse aquilo que Ele desejava enquanto Jesus lhe perguntara quem era ele afinal, o filho de Deus?, ou o filho do homem? Na sua impaciência Deus ordena-lhe que o ajude nos seus planos, na sua glória que provirá, e Jesus, um Homem sábio, não percebe como pode Deus omnipotente e omnipresente precisar de ajuda. Nisto sobe ao Barco outra figura que era familiar aos dois, o Diabo. Porque tudo o que interessa a Deus interessa ao Diabo. E Deus explica então a Jesus que fez os homens à sua imagem e semelhança, como tal a insatisfação desses há-de ser eterna, e cada vez mais exigente, mais urgente, como sua própria. E como tal já não lhe interessava ser Deus dos Judeus, Deus cria mais, tanto quanto a visão do futuro podia alcançar. Afirmava que iria a passar de deus dos Hebreus a deus dos que chamaremos católicos, à grega. E precisarei de ti, meu filho, para o papel de vítima, de mártir, que é o melhor para fazer espalhar e afervorar uma fé – afirmava. Diabo contemplava então Cristo com uma expressão de involuntária piedade como a que perguntar: porquê? Cristo a antecipar o seu sofrimento imaginado nas palavras proferidas por Deus não entendia e perguntava a Deus se não seria mais fácil Ele ir à conquista da própria glória, se ele não poderia fazer os milagres por si, se não poderia, simplesmente, ajudar quem precisasse, afinal era Deus, bastava um pensamento para curar a cegueira, para meter moedas na porta de alguém, para que seria necessário sacrificar à tortura da dor física o seu único filho na terra? Não lhe serviria apenas ajudar? – Interrogava-se Jesus. Não! Ele precisava que soubessem dele para que o adorassem. Se homem se erguesse no pique da sua doença esse iria supor que fora só ele que esmagara a doença, e isso anulava a crença, não o faria tremer perante Deus. Sempre Deus e o seu protagonismo! O pensamento que surgia não podia ser outro. Por mais que a ideia aterrorizasse Jesus não havia nada a fazer na medida que o Deus logo lhe deu o exemplo do cordeiro que sempre esperneia não querendo aceitar o sacrifício a que é legado, mas que cumprirá por fim o seu destino.

Percebe-se então que a fé sempre exigiu sacrifício seja ela qual for. Porém extremista e sempre ligada à solidão, como Jesus que morre crucificado por capricho daquele que o criou à sua semelhança e disse: “Crescei e multiplicai-vos.” Nunca deixando obedecer ao pedido.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Agora vai ser simples

"Agora vai ser assim: nunca mais te verei.
Este facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial,
e humano, como um destino orgânico e sensato,
Fica em mim como um muro imóvel, um aspecto esquecido
e altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência
mesma dos dias, quando entre a relva e a copa das árvores
me esquecia de pensar, e o ar passava
por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar
a vida sem imagens da paisagem. Marcávamos férias
em meses diferentes. O fim do ano, a páscoa, calhavam sempre
em outros dias. Tesouras surdas
rompiam o cordão dos telefones, e por engano
urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam
anos depois no arquivo municipal. E mais: a minha idade,
a tua, não poderiam nunca encontrar se no mundo."



António Franco Alexandre

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A SUL DA FRONTEIRA, A OESTE DO SOL


«Quando olho para ti, tenho a sensação de estar diante de uma estrela longínqua. Uma estrela muito brilhante, mas cujo brilho foi emitido há dezenas de anos-luz. Pode até dar-se o caso de a estrela já nem sequer existir. O que não impede que essa luz pareça mais real do que qualquer outra coisa.»


Fantasmas, arrependimentos, escolhas. A vontade de refazer o caminho, no entanto, saber que isso desfazia tudo o que é. Tudo o que é agora. Hajime e Shimamoto reencontram-se vinte anos depois de se terem separado, separados com a mesma inocência com que se encontraram pela primeira vez.  Entre os dois, uma música, «South of the Border, West of te Sun», tema de Nat King Cole que dá título ao romance.  Ambos caminham nos labirintos da solidão, porém, Hajime encontra o amor, ou uma amizade, um qualquer afecto e casa-se.  Constrói dois  bares de jazz a seu gosto, questionando sempre o que procurariam os clientes nele. De Shimamoto, nada se sabe, reaparece assim como uma aparição no bar de Jazz de Hajime. Bela, sinistra, como quem anda a leste do Sol.

«Dia após dia, à força de passares a vida a ver o Sol levantar-se a leste, cruzar os céus e afundar-se a oeste, sentes que qualquer coisa dentro de ti se quebra e morre. Pôes de parte o arado e, sem pensar em nada, com a mente vazia de pensamentos, pôes-te a caminhar em direcção a oeste. Rumo a uma terra que fica a oeste do Sol.»


Por ora, outra aprazível mulher emerge do romance apontado o dedo a Hajime, ou aos leitores.

«Sinto-me perseguida pelas coisas que abandonei. Não és o único acossado. Desengana-te. Não és o único que abandonou alguma coisa, que perdeu alguma coisa.  Um dia, pode ser que voltes a ferir os meus sentimentos. E não sei como irei reagir nesse momento. Ou, se calhar, da próxima vez posso ser eu a fazer-te mal. Não te prometo nada.»

Todas as referências a partir de A Sul da Fronteira, A Oeste do Sol, por Haruki Murakami